quinta-feira, 9 de abril de 2015

A Parabola de Ice o Iceberg



Era uma vez um iceberg chamado Ice. Ice havia nascido na Sibéria e adorava conhecer lugares. Ele adorava ver o sol, as nuvens, as montanhas do continente, os outros icebergs e os navios que passavam próximo. Ele tinha muitos amigos e percebia que eram diferentes, uns mais altos, outros menores, uns se movimentavam rápido, outros mais devagar. Ice notou que alguns deles também desapareciam no mar e isto o amedrontava.
Ice continuava sua vida naquele ambiente. Uns dias se aproximava da praia, outros se afastava em direção ao mar, mas sempre naquelas mesmas redondezas. Um dia uma enorme baleia surgiu e disse a Ice: "Você sabia que existe uma grande parte de você que fica debaixo d’água e que esta parte é muito maior do que a parte de você que está em contato com o ar? Sabia também que esta parte é que te leva para os lugares?"
Ice ficou perplexo. Sempre havia pensado que era aquela parte branca que flutuava sobre a água e achava também que era ele quem decidia onde ir.
Depois disto, Ice começou a perceber que nem sempre ia onde queria e que havia uma força maior que a dele que o conduzia para os lugares. Ice começou a se sentir impotente e uma grande tristeza se abateu sobre ele. Antes achava que era livre e dono de sua vontade, mas agora estava à mercê de algo que não podia sequer ver. Os dias se passavam na vida de Ice e ele percebeu que só se movimentava nos mesmos lugares de sempre e começou a ficar entediado. Queria conhecer mais coisas, mas a parte dele que o guiava era grande, pesada e lenta.
Num belo dia de sol, Ice passava junto a uma praia de uma ilha quando percebeu vários golfinhos dando saltos alegres, bem próximos a ele. Ice chamou então um dos golfinhos e perguntou: "Ei meu amigo? Você parece tão feliz e livre. Queria me sentir assim também, mas há uma parte de mim muito grande e pesada que não me deixa ir muito longe." O golfinho então se aproximou e disse: "Sabe, eu conheço muitos lugares e já vi outros icebergs longe daqui, em outros mares." E Ice se empolgou: "É mesmo? Como fazem isto?" E o golfinho disse: "Já tinha notado a diferença deles para vocês que moram nesta região. A parte deles que fica debaixo d’água é bem menor, e por isso eles são mais leves e ágeis." "Mas, porque eles são assim, diferentes?" e o golfinho continuou: "Eu perguntei a um deles e ele me respondeu que um dia havia se cansado da vida que levava e pediu ao Deus dos icebergs para ajudá-lo. Depois disto ele percebeu que os lugares onde ficava estavam mais quentes e assim começou a ficar mais leve." Ice não entendeu muito bem, mas fez logo o pedido.
Alguns dias depois, notou que os lugares onde estava pareciam realmente estar mais quentes e ele começou a se sentir leve. Como estava mais leve começou a perceber que podia direcionar mais seus movimentos e então passou a freqüentar só os locais mais quentes e então se sentiu muito mais livre e resolveu conhecer outros lugares. Viu coisas que nunca tinha visto antes e se encantou com todas elas. Notou que havia terras diferentes, com diferentes plantas, notou outras aves no céu, viu muitos peixes. Estava descobrindo que a vida era muito mais do que tinha aprendido a ver.
Um dia resolveu voltar ao lugar onde nascera para contar o que sabia aos seus amigos. Chegando lá reviu vários deles e contou sua estória. Os colegas o olharam com descrença e começaram a zombar de Ice. Alguns até o tratavam com hostilidade. Ice se entristeceu e ficou magoado com os colegas. Ele só queria ajudar e mostrar outras possibilidades. Ficou por ali mais uns tempos e começou até a duvidar de si mesmo. Será que ele estava errado e os colegas tinham razão? Ice percebeu que estava fazendo as mesmas coisas que antes e se sentindo triste com aquilo. Então, percebeu uma voz lhe dizendo que deveria acreditar no que vira e sair dali, pois ele já sabia como. Mais uma vez Ice resolveu partir deixando os amigos. Sentiu novamente a alegria retornar. Ice viajou para outros mares e conheceu outros que como ele estavam mais livres. Sentia-se mais feliz e se encantava com as coisas que descobria. Um dia Ice começou a perceber algo diferente. Começou a notar que o vento e as montanhas às vezes pareciam lhe falar. Era muito sutil, mas ele percebia. Ice achou que estava ficando louco e resolveu não dar muita atenção, até que um dia uma nuvem o chamou: "Ei, Ice! Não tenha medo! Sou sua amiga!" , "Quem é você?", perguntou Ice ressabiado. "Sou uma nuvem e sou sua amiga! Tenho estado te observando há muito tempo. Aliás, você está ótimo!". "Obrigado! Mas, como é que eu nunca te percebi antes?". "Lembra-se daquela sua parte que fica embaixo da água? Ela era muito pesada e isso limitava a sua percepção. Depois que começou a permanecer em águas mais quentes você passou a ficar livre de grande parte daquele peso, e isso permitiu que ampliasse seus horizontes." "É verdade", disse Ice, "Me sinto mais solto e muito mais alegre". "Hoje eu compreendo mais coisas." "Sim. Eu sei", disse a nuvem, "E você pode saber muito mais. Sabia que somos feitos da mesma substância?". "Como é?" retrucou Ice. "É isso mesmo. Somos feitos de moléculas de água. A diferença é que você é mais denso. Suas moléculas vibram mais lentamente do que as minhas. Sabia que você é o próprio oceano e muito mais?". Ice estava estarrecido diante daquilo tudo. Era tudo uma grandiosa novidade, mas de alguma forma parecia haver uma certa familiaridade. Ice então perguntou: "Por que é que eu me sinto como um iceberg e não um oceano?". Se espalhando pelo céu azul a nuvem respondeu: "Você pensa que é um iceberg. É assim que você se vê e é assim que aprendeu, mas hoje você está aprendendo que é água, assim como eu e o oceano. Aliás, eu também já fui um iceberg." Ice se empolga: "É mesmo? E como é que conseguiu se tornar uma nuvem?" "Eu apenas tive a intenção pura de me lembrar de quem eu era. Aí comecei a passar por um processo de trasnformação até me tornar pura água. Você também pode fazer o mesmo e é por isso que estou aqui. Agora vou indo, mas lembre-se que estou sempre aqui. Quando quiser é só me chamar." E assim, a nuvem, como que por mágica se dispersou no céu desaparecendo da vista de Ice.
Depois daquele encontro, Ice ficou vários dias pensando naquela possibilidade maravilhosa. Às vezes sentia um pouco de medo, mas no fundo sabia que tudo aquilo era verdade. Numa noite então, olhando para as estrelas, Ice falou: "Quero saber quem eu sou. Quero saber toda a verdade sobre mim." Naquele momento sentiu todo seu corpo vibrando e um sentimento de casa, familiar, o preencheu por inteiro. Nos dias seguintes começou a perceber a vibração de suas moléculas aumentando. Sentia um aquecimento em seu interior e percebia que ficava ainda mais leve. Ice começou a notar a sua interação com a água. Podia sentir seus movimentos, a mudança de temperatura, sua textura. Começava a experimentar uma ternura que nunca havia sentido. Com o tempo começou a notar que não era aquela sua parte oculta sob a água que o conduzia, mas algo muito maior, era a própria água do oceano que o levava. Ice começou a perceber também que ele estava sempre no lugar certo na hora certa. Parecia que havia uma sincronia nos movimentos, de tal forma que encontrava sempre as situações e os indivíduos mais apropriados para o seu caminho. Durante este período Ice conheceu muitos outros icebergs que lhe ensinavam um pouco mais sobre tudo. Ice se pegava rindo à toa. Ria de si mesmo e das coisas que já havia vivido até chegar ali.
Numa bela noite de lua minguante, Ice admirava aquele semi arco brilhante que enfeitava o céu noturno, quando um sentimento de amor invadiu todo seu ser. Sentia-se como que irmanado a todas as coisas. Nesta hora lembrou-se de seus amigos da Sibéria e ao invés de mágoa e ressentimento, sentiu um amor e gratidão imensos e uma corrente de água quente parecia emanar de Ice e irradiar para todo o oceano. Na Sibéria, um dos amigos de Ice que se encontrava em um grupo, sentiu aquela corrente que o tocava, sem saber o que era. Imediatamente comentou: "Me lembrei de Ice agora. Me lembrei das coisas que falava. Será que ele estava certo? Será que existem mais coisas além do que conhecemos?". No fundo de seu coração de gelo o amigo sabia que sim, pois aquela corrente que emanava de Ice o havia tocado.
A cada dia que passava Ice se conhecia ainda mais e quanto mais se conhecia, mais percebia a beleza da vida. Podia sentir os raios do sol tocando-o, o sopro do vento sussurrando-lhe segredos, as árvores acenavam como que dizendo: "Sabemos quem você é.". Tudo parecia ter vida, tudo parecia ter importância. Ice vivia cada momento, sem se importar com o amanhã e sem se prender ao passado. O agora era tudo o que existia.
Então em um dia em que tudo parecia mais belo, mais vivo, Ice teve a compreensão. Se sentia o próprio oceano, sem limites. Compreendeu que sempre havia sido a água. Naquele momento podia se lembrar de todas as vezes que fora um iceberg, mesmo antes de ser Ice. Sentiu que ele e os amigos eram um só. Não havia separação entre eles. Percebeu que experimentava todas as coisas ao mesmo tempo. Na verdade, não havia tempo. Percebia cada continente que tocava, cada peixe, cada ser vivo, cada gota de água, cada molécula, cada estória que existia nas moléculas. Estava tudo ali, dentro dele mesmo. Compreendeu que sempre estivera ali. Nunca havia corrido qualquer perigo. Já não havia mais medo. Só existia Amor...
Naquele dia Ice chorou e se derreteu todo...
fonte de Luz: http://faroldeluz.com.br 

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